A bolha das sondagens e o eleitor “típico” do Chega. Artigo de Cecília Honório

setembro 03, 2020 0 Comentários A+ a-

Por pouco relevante que tenha sido a última votação na extrema direita, a bolha das sondagens e o alarido dos comentários justificam atenção. Homem, branco, menos escolarizado, eis o eleitor “típico” dos partidos congéneres do Chega. Não sendo tão simples como parece, aqui ficam algumas referências úteis.
Artigo de Cecília Honório
"Eingemauerte Nazis" de Max Braun com licença CC BY-SA 2.0
Para Eric Fassin1, Trump conferiu existência e legitimidade política à versão sexista e racista da identidade masculina branca. Rejeitando o voto dos pobres em Trump, define-o como branco, masculino, menos diplomado, e evangélico. Jan-Werner Muller2 aceita que, a Ocidente, o perfil é masculino e menos escolarizado, mas alerta para o peso dos bem-sucedidos economicamente e o seu darwinismo social, ou para os casos da França e da Áustria, onde estes partidos comem de todos os outros e de todos os grupos sociais. Cas Mudde3 apresenta o eleitor “típico” - homem, branco, de educação moderada, mais novo e preocupado com a imigração - para reconhecer que a evolução destas formações, nas diferentes vagas que analisa, vai para além desta imagem. Os partidos de extrema-direita populista foram capazes de atrair com intensidade a pequena burguesia, os pequenos empresários; os que mais seduziram os trabalhadores traídos pela social-democracia, como a FN ou a FPO, também se reconfiguraram e, sobretudo na 4.ª vaga (a partir de 2000), as formações com maior sucesso foram a todos os sedimentos sociais, mantendo-se o “gap de género” uma singularidade, quer ao nível dos membros, quer, sobretudo, do eleitorado.

E por cá, o que sabemos sobre as intenções de voto no Chega? O que dizem os analistas?

Em fevereiro, o “retrato-robô” caía por terra. Pedro Magalhães, em trabalho solicitado pelo Expresso ao ISCTE/ICS4, rejeitava o “retrato-robô” do eleitor, considerando-o uma caricatura pouco útil. Cauteloso com a amostra (e poderia ter sido mais, considerando a ficha técnica) e partindo da sondagem que dava 6% ao Chega, desfazia o “eleitor-tipo”: metade dos que tencionavam votar eram mulheres; o partido não era para os mais novos (18-24 anos); o voto era urbano e o eleitorado mais politizado do que o da direita tradicional; 1/5 com curso superior, mais de 1 em cada 3 com ensino secundário, tudo acima da instrução média nacional, e em colisão com o “retrato-robô”.

Seis meses depois, o eleitor “típico” reaparece. Artigo do Público5, com base na sondagem da Católica para o Público/ RTP, de 23 de julho, dá conta que, afinal, os que têm intenção de votar no Chega são, sobretudo, homens, com o ensino secundário. Sustentando que a captação de voto não se faz à abstenção, mas aos outros partidos e, no caso do Chega, por transferência do PSD e do PS, os eleitores dos novos partidos (Chega da IL) seriam maioritariamente homens, colocando-se o Chega, nas faixas etárias entre os 25 e os 54 anos e com menor nível de escolaridade.

Na verdade, sabe-se tão pouco sobre o eleitor tipo quão mal se conhecem os processos de transferência de voto. É cedo para avaliar, e muita água correrá. O que se sabe é que, lá fora, estes partidos seduzem e recrutam menos as mulheres, considerando a sua lógica machista, a agenda antifeminista e anti-lgbti, o culto da família tradicional e o programa de destruição dos serviços públicos, pelo que estas são as agendas e as lutas que importam.


1 Populisme: le grand ressentiment, Textuel, 2017.
2 What is populism, University of Pennsylvania Press, 2016.
3 The Far Right Today, Potily, 2019.
4 Pedro Magalhães, “Quem quer votar no Chega”, Expresso, 15 de fevereiro de 2020.
5 Ricardo Reis e João António, “Chega e Iniciativa Liberal – partidos ascendentes no quadro político português”, Público, 6 de agosto de 2020.